A narrativa de Édipo Rei traz em si um tom de
suspense que prende o leitor. Ela já se inicia com um problema exposto e em seu
grau máximo de complexidade: a peste e a onda de mortandade que assolam a
cidade de Tebas. A partir da leitura dessas primeiras linhas, sabe-se que é
certo o encontro, no desenrolar do enredo, com situações adversas e
enigmáticas.
Quando Creonte volta de Delfos
com a resposta do Oráculo, Édipo se põe angustiado e ansioso pelo que tem a
ouvir e um certo temor do que não se sabe paira na narrativa. Depois de receber
a mensagem do Oráculo, o rei Édipo assume uma postura de homem íntegro e justo:
jura extirpar o mal que assola aquela terra, compromete-se a encontrar o
assassino de Laios e a matá-lo. Nesse ponto da trama vê-se o quão esse rei é
comprometido com as causas de seu povo e uma imagem de sua pessoa é traçada para
o leitor. Conhece-se um homem dotado de grande carisma, de bom caráter e
comprometido com o cumprimento de sua palavra.
Pois eu vou começar
tudo de novo
E uma vez mais
esclarecer as coisas.
Fez bem o deus, e tu
fizeste bem,
Tirando o morto deste
esquecimento:
Mais um serviço
prestarei, assim,
Vingando a ofensa feita
ao deus e a Tebas (SÓFOCLES, 1980).
Após surgir a ideia de que Édipo seria o tal assassino que trouxe a
peste a Tebas, é produzido no leitor um pesar pela sorte que foi traçada para o
rei que, antes de ser revelado como o assassino que matou a Laios, já havia
conquistado a simpatia do leitor com suas palavras e postura de homem íntegro. Isso despertou no leitor, respectivamente, o carisma, a benevolência e a pena.
A expectativa revestida de
suspense se consolida quando Tirésias revela a Édipo que ele é o assassino de
Laios e responsável pela maldição que pesa sobre Tebas.
É isso? Então ouve:
Sobre a tua cabeça
pende o anátema
Que teus lábios
lançaram!
Daqui em diante
Não tornes mais a me
falar, nem aos presentes,
Pois tu és a maldição
que pesa sobre Tebas! (SÓFOCLES, 1980).
Nesse
momento se fortalece a noção do leitor sobre ser mesmo Édipo o assassino do rei
Laios e o responsável pela desgraça que assola a cidade de Tebas. A partir
dessa cena o leitor começa a sofrer junto com Édipo a dor da busca por
respostas e do caminho amargo para descobrir toda a verdade sobre sua
verdadeira identidade.
Depois
que Jocasta lhe conta da profecia que Laios recebera do Oráculo, a qual dizia
que ele morreria pelas mãos do próprio filho e que foi morto numa encruzilhada,
Édipo começa a ter suas primeiras impressões acerca de sua familiaridade com
essa situação. Porém, a essa altura, ele ainda pensa que pode, talvez, ter
matado o rei, mas ainda não se dá conta de que ele é o próprio filho de Laios e
marido da viúva deste.
Aqui
o leitor já se deu conta de que Édipo é esse assassino-filho e começa a trilhar
com ele o caminho do autodescobrimento. O leitor sabe a verdade, mas o
personagem ainda não. Essa situação invertida de sapiência dos fatos confere à
obra peculiaridade relevante, pois uma narrativa na qual não é o leitor que
descobre a verdade no desenvolver da leitura, mas sim o personagem, transmite
uma sensação de leitura interessante e prazerosa, pois o leitor sai do lugar de
desbravador para o lugar de “espectador onisciente”.
Édipo
sofre muito enquanto vai descortinando os véus do mistério de sua identidade
genética. Quando descobre, na verdade quando ele percebe toda a verdade que,
subliminarmente, já havia se revelado, se vê tomado pelo pavor do (re)
conhecimento de si.
Horror! Horror! Horror!
Tudo verdade!
Luz do dia, eu não
quero mais te ver!
Filho maldito... marido
maldito...
Maldito assassino do
próprio pai! (SÓFOCLES, 1980).
Jocasta não suporta a
descoberta de que casara com seu próprio filho, então entra no palácio e se
mata. Depois de encontrar a esposa morta, Édipo fura os próprios olhos numa
atitude de negação da realidade, na verdade de não aceitação daquela imagem que
se lhe apresentava. Ele não suportaria viver tendo que olhar para sua mãe, a
qual desposou e lhe gerou filhos. Esse momento-ápice do suspense, nessa
narrativa, leva o leitor a um estarrecimento com o fim que teve Édipo, que foi mais
castigado do que se tivesse sido morto. Pelo menos, a morte cessaria a sua dor
de ser quem é e de ter feito o que fez, mesmo sem saber. E permanecer vivo
significaria ter que conviver com a dor constante de estar morto por dentro e
ter que agonizar a sua cina por atitudes ignorantes a ele e previstas pelos
deuses.
A obra Édipo Rei fascina o
leitor e lhe fala muito acerca do perigo da obstinada sede pela verdade. Uma
trama costurada por surpresas e mistérios proporciona ao leitor momentos de
reflexão profunda sobre o que não se pode esperar da tradução do verdadeiro
significado identitário de cada um.
SÓFOCLES. Édipo Rei (430 AC). Tradução de Geir Campos. Abril:
São Paulo, 1980.
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