segunda-feira, 27 de junho de 2011

Um Lugar Dentro Dela

O ambiente refrigerado não a convencia a estar no meio dos outros colegas. Na aula de Literatura, ela se concentrava nas palavras da professora. Entre uma e outra piada da mestra e gargalhadas dos alunos, eu a observava com maior atenção, a fim de sacar-lhe o esboço de um sorriso. Entretanto, foram apenas dois, desenhados aos cantos da boca. O que faria uma garota, numa sala com cem cadeiras vazias, sentar-se numa das últimas, totalmente isolada dos demais? Talvez para não permitir que alguém interrompesse sua concentração... Quem sabe possuiria uma personalidade anti-social e em avançada introspecção... Cabelos amarrados, olhos cansados e com olheiras, pernas e braços fortemente cruzados e uma seriedade chamativa. Todos estes traços alardeavam seu alheamento a qualquer mundo que não fosse o seu, e a rejeição a todo tipo de contato ou aproximação. Certamente ali dentro era mais agradável que fora. A despreocupação com o que acontecia na realidade exterior a si mesma era fascinante. Somente ela me poderia esclarecer os verdadeiros motivos que a faziam estar dentro da concha. Sem dúvida, evidente era que eu jamais a interrogaria. Longe de mim estava a intenção de tumultuar a paz daquele lugar dentro dela. Restavam-me os seus traços subentendidos e o doce enigma da observação.  E, lógico, não seria eu o quebrar do silêncio daquele espaço fechado, totalmente cerrado lá dentro. A aula chegara ao fim. Rumo à porta, todos.

domingo, 5 de junho de 2011

Fora da Bolha

Bar na pracinha, sonzinho romântico ao vivo. Pessoas e casais a beber e a sorrir com liberdade povoavam as mesas ali dispostas. Amigas e eu conversávamos e o clima era de total descontração, não havendo espaço para tristeza ou desânimo. Numa pausa da discussão, ao lançar o teceiro olhar para o ambiente, já mais atento, percebi que existia uma criatura com o espírito cinza, destoando aquele clima perfeccionista. Ficava pouco distante da última mesa, contemplando a multidão que se rasgava em risos ébrios, o adolescente maltrapilho e desgostoso com sua condição frente aos que se divertiam, indiferentes ao seu redor, cada um dentro de sua bolha. Os olhos daquele jovem sofrido mostravam uma reflexão dolorosa, senão inútil. Talvez racionalizava a idéia de que todos ali, quando cansassem da descontração, iriam para suas casas, suas camas, para o conforto quentinho de suas noites. Talvez olhariam para ele, lhe dariam um dinheiro para comer, oferecer-lhe-iam um lar decente. Que nada! Seu olhar absorvia apenas desilusão, descrença, e, possivelmente,  uma revolta sem chances de romper a escuridão que determinava sua vida. Após muito tempo de observação, abaixou a cabeça num gesto de total impotência e arrancou seu corpo daquele lugar, em passos mortos, convícto de que ninguém ali teria motivos para sair de seu comodismo e enxergar a sua necessidade. Levou as mãos aos olhos como quem enxuga uma lágrima e voltou para seu leito, o papelão numa calçada suja. Ele, naquele momento, talvez desejasse estar também dentro de uma bolha, mesmo que fosse somente para se isolar daquela madrugada gélida. Restou a mim, unicamente, retornar ao mundo das minhas amigas.