quinta-feira, 31 de março de 2011

A Missão


Porque os compromissos da vida secular impõem aos indivíduos certas obrigações, eu me encontrava sentada à mesa da cozinha, lendo um livro de Sociologia, totalmente alheia ao cenário externo a mim. Um som ecoou da varanda,  desconcentrando-me na leitura. Direcionei o olhar para lá e pude me alegrar com a eminente visita de um sabiá do peito amarelo, que gorjeava insistentemente como se estivesse a chamar por alguém. Fixei a atenção nele, me desliguei do livro e investi tempo na observação daquele pequeno ser. A meu ver, seu cantarolar, suave para mim e substancial para ele, não comunicava outra coisa, senão o manifestar da existência. Ele estava ali, ora pensativo, ora movente, me olhando e mostrando a mim e à natureza que ele era real, que sua presença no mundo era digna de reconhecimento. Tão digna, que o notar de sua vida foi involuntário da minha parte. Seu agudo timbre penetrou meus ouvidos, como a campainha de uma casa a avisar que alguém espera à porta para ser atendido. Cumpri minha obrigação de ver quem era. Recebi, com espírito aberto, minha visita. Ouvi-lhe, aceitei sua mensagem de paz e retribuí com um sincero sorriso de agradecimento e satisfação. Com a missão cumprida, ele se posicionou e voou a caminho de outro objetivo. Deparei-me com o desejo de que sua próxima visita fosse a uma alma amargurada, necessitada de um motivo para sorrir. Como gostaria que ele voltasse no dia seguinte... Até lá, esperava já ter terminado a leitura do meu livro.


Bjus, pétalas!
Patrícia Andrade

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Exame

Havia saído de uma consulta médica e, na volta para casa, entrei num laboratório a fim de saber quanto me custariam alguns exames de sangue. Peguei a senha de atendimento e sentei-me na única cadeira disponível na sala de espera. Quanta gente, de várias cores e expressões.
 Fixei meus olhos na recepcionista, que chamava cada um pelo seu número: Senha 22! Senha 23! Eu estava angustiada com a espera.
Num de meus movimentos frenéticos de impaciência, percebi que ao meu lado esquerdo havia um rapaz que balançava a perna insistentemente. Fiquei me perguntando o que ele estaria sentindo naquela hora. Assim que comecei a refletir sobre seu comportamento aflito, pude ouvir a recepcionista chamá-lo a uma sala à parte, alegando que a médica desejava falar-lhe antes de liberar o resultado de seus exames.
 Acompanhei, copiosamente, o seu deslocamento aos fundos da clínica e, depois de alguns minutos, ele voltou a sentar-se ao meu lado, agora com um comportamento bem mais aflito e angustiante. Assim que começou a chorar - sucumbindo emocionalmente enquanto processava a provável informação que recebera da médica ao telefone -, fui tomada por uma sensação de impotência e curiosidade de saber qual doença ele descobrira ter. Como gostaria de poder tocar-lhe as mãos e dizer que tudo ficaria bem... O seu desespero aumentava...
 A recepcionista, enfim, entregou-lhe o envelope com os exames. Foi com lágrimas de pavor nos olhos e mãos trêmulas que ele recebeu, guardou-o na mochila e dirigiu-se lentamente até a porta. Pôs a mão na maçaneta, mas parecia não ter forças para movê-la. Respirou fundo, enxugou os olhos, reuniu forças e saiu  no compasso de um relógio cansado de contar o tempo.
Fiquei me perguntando o que acontecia com ele... Teria descoberto que estava infectado pelo vírus HIV? Alguma doença grave? Sua existência e sua juventude estariam ameaçadas? Não sei. Provavelmente, jamais saberia. Talvez, em alguns dias, eu viesse a esquecer este momento. A única certeza que eu tinha era de que, para ele,  sim, aquele instante seria inesquecível: o dia da notícia não desejada, o dia da dor.
Meus olhos permaneceram inertes, voltados para a  porta... Senha 24! Era a minha vez.




Patrícia Andrade




quarta-feira, 23 de março de 2011

'Pétala'

Nada brilha mais do que o seu amor, sua luz alimenta meu fôlego e me faz bem aventurada. 
Ele me dá um caminho a seguir e eu o faço convicta. Como é suave o seu lindo amor, como é delicado e calmo!
Oh, meu bem, eu vivo o prazer de desejar teus beijos todos os dias e é esse anseio que me faz sentir o gosto da vida...
Ele é absoluto....mas transborda em si...
Ele é devaneio...mas se mostra a mim...
Ele é o amor...apodera-se, Enfim!                                      

Agora, parafraseando em Djavan:

"Pétala"

O seu amor
Reluz
Que nem riqueza
Asa do meu destino
Clareza do tino
Pétala
De estrela caindo
Bem devagar...
Oh! meu amor!
Viver
É todo sacrifício
Feito em seu nome
Quanto mais desejo
Um beijo, um beijo seu
Muito mais eu vejo
Gosto em viver
Viver!
Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade
E fim!



Bjus, pétala!
Patrícia Andrade

No Ônibus


Toda vez que estou no ônibus, indo ou voltando da faculdade, o silêncio paira. As pessoas se calam, mas, interiormente, as vozes não cessam! Como eu queria ter o poder de escutar mente por mente... É certo que descobriria um assassino, uma suicida em potencial, o sonho de uma criança, um segredo horrendo, entenderia melhor as emoções alheias...E, no fim das contas, poderia até me divertir com as loucuras e devaneios do povo que vive ao meu redor,  mas que nem sempre é gente sã como sua capa aparenta. 
O anseio de enxergar os bastidores do ser humano, o que há por trás de suas máscaras, me faz sentir uma adrenalina terrível! 
Mesmo sendo legal e divertido ler as mentes dos outros, seria complicado também, pois, certamente, eu não seria amiga de alguns. 
Eita, miséria, a mania humana de fingir  e se esconder atrás do que lhe é conveniente!
Enquanto eu não alcanço esse super poder, desfruto do conforto e privacidade de meus pensamentos!

Bjus, pétalas!

Patrícia Andrade