Este
conto pertence ao livro Mães e filhos, uma proposta bem pensada do autor
irlandês. Com esse livro ele tenta desconstruir o enfoque dado somente às
relações entre pais e filhos na literatura, colocando em evidência as questões
das mães na família, sobretudo sua relação com seus filhos. E este conto traduz
com maestria essa interação, dando espaço para que o leitor acesse o
comportamento de uma mãe diante da descoberta de que seu filho, que é padre,
será julgado por ter cometido abuso sexual contra adolescentes, anos atrás.
O
título, de início, faz o interlocutor concluir que o conto falará
especificamente da vida de um padre, mas a partir do primeiro parágrafo tem-se
a imersão no mundo interior da mãe do padre, Molly. Ela é uma mulher idosa e,
pelos sinais do enredo, tem uma vida relativamente confortável materialmente.
A
visita que Molly recebeu do padre Greenwood abre o conto e um mistério logo é
posto em cena, o real motivo da visita. Mesmo sem saber do que se trata, o
leitor já recebe um sinal do narrador indicando o suspense sobre a misteriosa
visita do padre Greenwood, logo na primeira linha: “Ela viu o céu escurecer, ameaçando chuva”. Há uma dupla
interpretação nessa passagem, esse “escurecer” pode indicar o estado interno de
Molly, seu mundo interior estava prestes a desmoronar.
Quando
ela descobre, através do padre Greenwood, que seu filho será julgado por ter
cometido abuso sexual, não se percebe nela nenhuma reação de vergonha cristã ou
desespero, pois ela não professava a mesma crença do filho: “Ele reza por mim, eu sei disso, e eu também
rezaria por ele, se acreditasse em preces, mas não tenho certeza se acredito.
Mas nós já conversamos sobre isso, o senhor está a par de tudo. ”
Por
outro lado, sua perplexidade reside no fato de que todos (suas filhas e a
sociedade) já sabiam do que estava acontecendo, menos ela. Sua chateação maior
é por ter sido a última a saber: “A
cidade toda está sabendo? É verdade isso? A única pessoa que não sabe de nada é
a velha aqui? Vocês todos me fizeram de palhaça! ”. Além disso, o que choca
o leitor é perceber que ela age com tamanha frieza ao saber da notícia, não
expressando nenhum tipo de sofrimento pelo que acabava de descobrir a respeito
de seu filho:
“Ele vai ser julgado, Molly. ”
“Abuso? ” Ela disse a palavra que todos os
dias surgia nos jornais e na televisão, acompanhada de imagens de padres
ocultando a cabeça para não serem reconhecidos por ninguém, saindo algemados
dos tribunais. “Abuso? ”, perguntou de novo.
As mãos do padre Greenwood estavam tremendo.
Ele fez que sim com a cabeça.
“É sério, Molly. ”
“Na paróquia? ”, perguntou ela.
“Não”, respondeu ele, “na escola. Já faz
tempo. Foi na época em que ele era professor. ”
Percebe-se que sua revolta de dá
pelo fato de ter sido a última a saber e não pela vergonha deter um filho
pedófilo. Na verdade, em nenhum momento ela demonstra pesar e não expressa
questionamentos sobre onde poderia ter errado na criação do filho, o que comumente
acontece com as mães que descobrem erros graves cometidos por seus filhos.
Molly não se sente desesperada nem demonstra sofrimento aparente, mas se
preocupa, antes de tudo, com a sua imagem diante das pessoas, uma vez que vive
numa cidade pequena onde qualquer notícia tem uma enorme repercussão.
Quando
Molly recebe a visita de suas duas filhas, as quais tentar convencê-la a fazer
uma viagem para se ausentar da cidade no período em que acontecerá o
julgamento, percebe-se sua postura de frieza e indiferença diante do que as
filhas lhe estão propondo. Ela se nega a se ausentar da cidade para não chamar
mais a atenção para a pessoa dela. A partir do momento eu que fica sabendo da
notícia, Molly se esforça para manter o comportamento mais natural possível:
O padre só foi embora quando ela insistiu
para que fosse. Conferiu no jornal o que iria passar na tevê à noite e fez seu
jantar como se fosse uma segunda-feira normal e ela pudesse relaxar. Pôs menos
leite que de hábito no chá pelando e obrigou-se a tomá-lo, provando a si mesma
que podia fazer qualquer coisa dali em diante, enfrentar qualquer coisa.
E
sair da cidade justo nesse momento tão polêmico para a sua família poderia
representar para os demais que ela está assumindo que está tão abalada que
precisou sair da cidade para não sofrer com o julgamento do filho.
Seu
diálogo com as filhas demonstra que estas são quem estão mais abaladas com a
notícia. Molly demonstra estar firme no propósito de ficar firme até que passe
esse momento de tensão na família: “Enquanto
for inverno, eu me viro”. Disse Molly. Há aí uma comparação dessa fase ruim
a uma estação. Essas palavras de Molly dizem muito ao leitor sobre seu estado
emocional, ela compara esse momento ruim com uma fase, dando a esse sofrimento
pelo qual passa sua família um caráter sazonal, logo, passageiro.
Durmo até tarde, de manhã, e me mantenho
ocupada. É o verão que eu receio. Não
sou das que sofrem daquela tal doença que dá quando não tem claridade. Mas
morro de medo dos longos dias de verão, em que acordo ao amanhecer e fico
remoendo as coisas mais sombrias do mundo. Ah, as coisas mais sombrias! Mas até
o verão chegar, tudo bem.
Esse fragmento permite perceber que
Molly sofre sim com o que está acontecendo, mas compara essa dor a uma dor
passageira e se dispõe a ser forte até que essa maré ruim passe.
Outro
momento interessante é quando recebe a visita de Frank, seu filho. Ela se
portou com tamanha frieza e não tocou no assunto nem fez perguntas, muito menos
quis saber o que, de fato, o levou a fazer tudo aquilo. Pelo contrário, ela se
manteve fria em todo o momento, pensativa, sem muita reação, se esforçando para
fazer tudo como se nada estivesse acontecendo.
Porém,
mesmo tentando demonstrar naturalidade em seus gestos (preparando café,
colocando a manteiga na mesa, pegando a geleia), o narrador dá os indícios de
ela não estava tão alinhada assim emocionalmente:
“Molly percebeu que não tinha posto a
manteiga na mesa. Levantou e foi até a geladeira buscar. ”
“Ela estendeu a mão para pegar a geleia de laranja,
que já estava na mesa. ”
“Ela não tomou o chá nem comeu a torrada. ”
“Ela pôs a mão na xícara; o chá continuava
quente. ”
Essas
passagens falam muito do seu estado emocional, ainda que não demonstrasse claramente
ao seu filho.
O
último parágrafo do conto demonstra o seu profundo estado reflexivo e Molly
demonstra, com suas atitudes e expressões, seu estado emocional.
Ela não se levantou da cadeira enquanto não
ouviu o barulho do motor do carro. Foi
até a janela e ainda o viu dando ré e virando, tomando cuidado, como sempre,
para não passar por em cima da grama. Ficou na janela enquanto ele partia;
ficou ali até que o ruído do carro morresse ao longe.
Talvez
ela tivesse dentro de si questionamentos acerca da atitude criminosa do filho,
mas preferiu guardar para si todas as suas conjecturas para não parecer
abalada, uma vez que lhe interessava mais demonstrar naturalidade diante de
todo o vendaval pelo qual sua família estava passando.
Essa
possibilidade de existência de questionamentos é sutilmente percebida na frase
“[...] ainda o viu dando ré e virando,
tomando cuidado, como sempre, para não passar por em cima da grama. ”. Essas
palavras mostram que ela reconhece algo de bom e cuidadoso no caráter de Frank
em sua atitude de tomar cuidado para não machucar o gramado, para não violar
algo intacto e que possui vida (plantas são seres vivos!). Essas palavras podem
sinalizar o questionamento dela acerca do porquê de ele ser um homem bom,
cuidados com os outros e ainda assim fazer algo tão hostil.
Assim,
esse conto mostra, de forma linda e interessante, o mundo interior de uma mãe
que se decepciona com seu filho mesmo sem demonstrar claramente essa decepção.
O leitor se vê diante de um desafio de decifrar cada passagem, no esforço de
capturar nas entrelinhas e no obscuro de cada palavra os indícios que apontam o
estado de espírito e emocional da personagem. E perceber todo esse movimento do
narrador é, sem dúvida, uma experiência instigante e fascinante.
REFERÊNCIAS
TOIBIN,
Colm. “Um padre na família”. In: Mães
e filhos. Tradução Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.