domingo, 5 de junho de 2011

Fora da Bolha

Bar na pracinha, sonzinho romântico ao vivo. Pessoas e casais a beber e a sorrir com liberdade povoavam as mesas ali dispostas. Amigas e eu conversávamos e o clima era de total descontração, não havendo espaço para tristeza ou desânimo. Numa pausa da discussão, ao lançar o teceiro olhar para o ambiente, já mais atento, percebi que existia uma criatura com o espírito cinza, destoando aquele clima perfeccionista. Ficava pouco distante da última mesa, contemplando a multidão que se rasgava em risos ébrios, o adolescente maltrapilho e desgostoso com sua condição frente aos que se divertiam, indiferentes ao seu redor, cada um dentro de sua bolha. Os olhos daquele jovem sofrido mostravam uma reflexão dolorosa, senão inútil. Talvez racionalizava a idéia de que todos ali, quando cansassem da descontração, iriam para suas casas, suas camas, para o conforto quentinho de suas noites. Talvez olhariam para ele, lhe dariam um dinheiro para comer, oferecer-lhe-iam um lar decente. Que nada! Seu olhar absorvia apenas desilusão, descrença, e, possivelmente,  uma revolta sem chances de romper a escuridão que determinava sua vida. Após muito tempo de observação, abaixou a cabeça num gesto de total impotência e arrancou seu corpo daquele lugar, em passos mortos, convícto de que ninguém ali teria motivos para sair de seu comodismo e enxergar a sua necessidade. Levou as mãos aos olhos como quem enxuga uma lágrima e voltou para seu leito, o papelão numa calçada suja. Ele, naquele momento, talvez desejasse estar também dentro de uma bolha, mesmo que fosse somente para se isolar daquela madrugada gélida. Restou a mim, unicamente, retornar ao mundo das minhas amigas.

6 comentários:

  1. Infelizmente, não podemos viver a vida dos outros. Só resta mesmo observar.
    Um dia todas as experiências terríveis de uma pessoa poderão se converter em lições de vida para um futuro.

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  2. A mais pura realidade. O bom é que você ainda enxergou esse menino, visto que a maioria não tem a capacidade de enxergar os "cinzas",
    Muito bom.

    beijo

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  3. Sempre há como enxergar os de alma cinza. Basta lembrar que existem.
    Valeu, pessoal.
    Beijos!

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  4. Identifiquei-me com este de alma cinza, porém não precisei estar na condição dele para assim ser. Que Deus o proteja e o livre de todo mal.
    Abraços! Amei o texto!

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  5. Paty, gostamos muito de visitar seu blog e ler algumas de suas crônicas. Eu, Bianca, tô achando muito interessante sua forma de ver as coisas que acontecem e que nem todo mundo as observa. Muito criativo de sua parte fazer um blog cheio de suas vivências e/ou imaginações. Continue por aí.. eu e minha mãe adoramos ver como você está avançando na escrita. Beijos, beijos, beijo =D

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  6. Protótipos

    As conveniências da vida nos moldam, torturam, emolduram. Talvez sejamos exteriormente a encarnação do que gostaríamos de ser, protótipos da perfeição sonhada, como bonecos manipulados pelo eu verdadeiro; bonecos que fingem não sentir a dor das palavras alheias, as decepções da insegurança sentimental, o cansaço da hostilidade de viver.

    Pseudo perfeição! Basta olhar mais de perto para ver os lapsos acontecerem. Não há um homem sequer que consiga manter-se inabalável dentro da armadura, pois todos somos passíveis à submersão da verdadeira essência. A carcaça de humanóide nem sempre suporta as instabilidades da existência e rompe-se turgidamente para fundir-se ao meio concentrado das pressões.

    Fazemos escolhas como perfeitos, aliás, nosso protótipo escolhe o que melhor convém, mas a dor é sentida pela alma. É a essência do verdadeiro ser humano que transita entre a tristeza e a alegria continuamente. E, como as conseqüências nunca falham- eis a verdade da qual não me esqueço- o segredo da boa sobrevivência é saber decidir, posto que as oportunidades são imprescindíveis, o estar aqui é único, traiçoeiro e tão efêmero quanto o vento.

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